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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

No assentamento Terra Vista

OBS: este texto foi escrito no comecinho de dezembro, mas com os corres da vida só agora consigo publicá-lo... acabei mantendo o que tinha escrito originalmente, senão não publico nunca, e deixo outras atualizações pra postagens futuras.

Há um mês estamos vivendo no assentamento Terra Vista, no município de Arataca, sul da Bahia, tendo o privilégio de participar não só do que considero a melhor experiência dessa viagem até aqui, mas uma das mais importantes da minha vida. E essa etapa nem estava prevista, tendo se desenhado no caminho justamente a partir dos vários contatos que fomos tecendo nessa teia tão maravilhosa que faz tanto valer nossa jornada.

A oportunidade surgiu a partir do convite pra virmos colaborar na Jornada de Agroecologia que acaba de acontecer aqui - e foi um capítulo tão, mas tão emocionante, que talvez nem dê pra contar ainda.
Como o Angel veio pra cá com a proposta de estruturar uma equipe de comunicação colaborativa, contando com gente daqui mesmo, viemos antes, no comecinho de novembro.



O assentamento Terra Vista é um dos mais emblemáticos dentro das experiências oriundas de reforma agrária aqui no Nordeste, porque se estrutura sobre dois pilares que fazem a diferença em relação a outros na região: a educação e a agroecologia. São dois elementos que estão bem interligados na proposta e na construção que vai se tentando fazer na prática por aqui.


Pra começar, o assentamento é lindo, um verde só, tudo quanto é tipo de árvore e planta pra onde quer que a gente olhe. Tanta beleza natural e alimento vivo torna-se ainda mais admirável quando a gente vê as fotos e ouve as histórias da época em que a antiga fazenda Bela Vista foi ocupada, em 1992, e a paisagem era árida, tudo desmatado.

A emissão de posse veio em 1994, e hoje, 20 anos depois, são 55 famílias vivendo no Terra Vista. Algumas famílias já vivem e trabalham nas roças individuais, mas a maioria mora nas agrovilas dentro do assentamento. Há ainda os espaços de produção coletiva, que estão sendo retomados agora na perspectiva da produção agroecológica, sobretudo no caso do principal produto pra comercialização: o cacau.
Como outras cooperativas ligadas ao MST criadas nos anos 1990, a CPA do Terra Vista também acabou entrando em crise e por enquanto encontra-se parada. Mas antes que a proposta cooperativa seja retomada, outros formatos coletivos vão sendo adotados e isso também é economia solidária na prática. Quando chegamos, estavam começando a funcionar plenamente a proposta de trabalhar coletivamente as roças individuais, e com isso o trabalho que duraria 30 a 40 dias acaba sendo feito em 2 ou 3 dias, segundo os depoimentos. E pra possibilitar isso, uma estrutura de cozinha coletiva, com as mulheres se revezando.


Dentro do Terra Vista existem duas escolas: uma escola infantil (a Florestan Fernandes), que vai até 4a série, e uma escola técnica estadual do campo (o CEEP Milton Santos), com cursos como Técnico em Agroecologia, Técnico em Informática, e Técnico em Meio Ambiente.
E a ideia é trazer também o ensino a partir de 5a série, pra criançada maior não precisar ir pra Arataca.
Além disso, o sonho mais recente e que aos poucos vai ganhando força, é o de construir aqui dentro uma Faculdade do Cacau e do Chocolate, estruturada em torno da proposta da produção agroecológica.

É claro que tudo isso vai sendo construído com muitos percalços, enfrentando vários desafios, fora do assentamento, mas dentro também. Porém, na nossa convivência, foi muito bom encontrar homens e mulheres que tanto batalharam e continuam seguindo seus sonhos, com destaque para a liderança efetivamente em prol do coletivo do Joelson Ferreira e sua companheira Solange.

Estamos alojados na casa grande, que pelo que entendi era a sede da antiga fazenda, e foi adaptada pra alojar visitantes como nós.

Estão vendo esse rio delicioso aí ao lado? Fica a meros 20 passos de nossa casa aqui! O barulhinho constante da água corrente é tão relaxante que chega a estressar o Nes!


Pra Inaê, riquíssimas descobertas e aventuras de menina de cidade na roça!
Correr atrás de pintinhos ou frangos com suas mamães galinhas...
Observar tudo quanto é tipo de inseto e já conhecer a diferença entre: marimbondo, mariposa, besouro, cigarra, centopéia, abelha...
Conversar com os passarinhos seus amigos (ou espantá-los), dar comida pros peixinhos, ver de perto burrinhos, cavalos, porcos, patos, leitõezinhos...
Conhecer um monte de pé de tudo quanto é fruta: cacau e cupuaçu (que são primos!), goiaba, açaí, graviola, abacaxi, banana...


Conviver com crianças daqui, de outra realidade, muitas com suas carências, lacunas e limites. Também é a oportunidade de trocarmos do nosso ponto de vista e valorizar outras dimensões a que eles têm acesso e nem valorizam mais, neste mundo do consumo que também chega pra eles através da TV. Minha possibilidade de exercitar um pouco mais a veia de cuidadora e educadora, não só da minha criança, mas porque gosto de estar com crianças (sobretudo pequenas), propor brincadeiras, conversar e brincar com eles, assim como o Angel, que por sua vez tem mais jeito e paciência com os meninos maiores.



Também a proposta de dar início a uma construção colaborativa de registros multimídia de tantas histórias que povoam este lugar, contando com seus próprios protagonistas, tem dado frutos interessantes. Sempre há as resistências tradicionais, mas a empolgação daqueles que colaram mais forte, como Boby e Robinho, da segunda geração de assentados, já vale a pena.
Além da produção de vídeos sobre vários aspectos do Terra Vista, tivemos oportunidade ao longo dessas semanas de partilhar e divulgar também o que vai sendo produzido, inclusive organizando cinemas nas agrovilas e escolas com nosso projetorzinho, além de levar pra crianças e adultos um pouco de outro tipo de produção cultural à qual geralmente não se tem acesso.

Mas chega de tentar traduzir em palavras. Abaixo, dois dos vídeos tão legais feitos pelo Angel (e na página dele no YouTube tem muito mais!)

Histórias


Cigarras


Transições pra outros modelos de pensar, produzir e viver são mesmo difíceis e cheias de obstáculos. Mas os exemplos que vêm do Terra Vista são inspiradores pra animar o caminho e seguir nessa jornada.

3 comentários:

  1. Esplêndido... saudades desse povão massa!!!

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  2. Que massa, Bob! Um dia desses a gente pinta por aí, pra matar saudades e apresentar nosso caçulinha! Beijos pra todo mundo aí do Terra Vista!

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  3. gostei muito de saber sobre esse assentamento terra vista muito legal! jamili souza

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