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terça-feira, 17 de agosto de 2010

nascer sorrindo















"Devemos compreender que a Natureza não dá saltos súbitos e tem seu próprio ritmo. Ela estabeleceu este tempo, estes poucos minutos, para que esta mudança de um mundo para outro pudesse ser feita com serenidade.

De tal maneira que o bebê recebe oxigênio de duas fontes por vários minutos, enquanto, ao mesmo tempo, um orifício no seu coração se fecha, e o bebê pode então se manter sozinho com segurança.

Por alguns minutos, o bebê ocupa dois mundos.

Então, bem lentamente, ele pode cruzar o portal de um mundo ao outro tranquilamente, facilmente, e com toda a segurança, desde que a gente não o apresse, não interfira, e consiga dominar nossos antigos reflexos, nosso nervosismo, nascido, na verdade, da ansiedade de nosso próprio nascimento.

O efeito sobre o bem-estar da criança será incomensurável.

Somos sempre tão rápidos em culpar a Natureza, quando de fato ela é tão cheia de amor e sabedoria, e somos apenas nós que estamos cegos demais para enxergar.

Se o cordão é cortado abruptamente ou se é deixado parar de bater por si só é um fato que muda completamente, ou mesmo que é determinante, para o modo como a criança percebe sua chegada ao mundo e, consequentemente, a maneira como reagirá à mudança contínua em sua vida.
Pode-se dizer que a percepção deste momento vai colorir o resto de sua vida.

Se cortamos o cordão imediatamente, criamos uma situação que é o contrário daquela que a Natureza intencionava. Ao pinçar o cordão antes dos pulmões estarem funcionando completamente, priva-se o cérebro da criança de oxigênio.

O organismo não pode senão reagir violentamente a esta nossa agressão, e então todo um sistema de estresse entra em cena.
Não só teremos feito algo absurdo e não demandado, mas teremos estabelecido o que Pavlov chamava de um reflexo condicionado que será recorrente ao longo da vida.

O que estamos vinculando?
Vida e respiração,
respiração e o medo da morte iminente."


"Você pode então se perguntar como é que mesmo quando a transição ocorre em seu próprio ritmo a criança pode ainda dar um grito ou dois?

A resposta é simples.
A caixa toráxica, agora que nada mais a comprime, subitamente se expande, criando assim um vácuo.
O ar entra rapidamente e isto arde. Naturalmente a criança tenta furiosamente expelir o ar.

Este é o primeiro grito.
Então, em geral, tudo pára.
A criança faz uma pausa, como se desconcertada ante o próprio sofrimento.
Pode acontecer dela repetir o grito duas ou três vezes antes da pausa.
Então quando esta pausa vem, somos nós que entramos em pânico. E geralmente... um tapa no bumbum em seguida. Mas agora que estamos mais conscientes e conseguimos controlar nossos impulsos, nossos medos, e confiando na forte batida do cordão, podemos manter nossas mãos imóveis.

Logo veremos... a respiração recomeçando por conta própria.
Hesitante a princípio, tímida, cuidadosa, ela ainda vai pausar de tempos em tempos, marcando pequenos intervalos.
A criança, oxigenada pelo próprio cordão, está adquirindo seu próprio ritmo e inspirando apenas o tanto do elemento ardente que consegue suportar, depois pausando, apenas para recomeçar em seguida.
À medida em que vai se acostumando, ela começa a respirar mais profundamente."




"Logo ela aprende a desfrutar do que, no começo, era apenas muito doloroso.
Muito em breve, sua respiração, que no começo era tão hesitante e duvidosa, se torna alegre.

Ao todo, a criança deu apenas um ou dois gritos.

Tudo que podemos ouvir agora é uma respiração profundamente tranquila, pontuada por pequenos gritos, exclamações de surpresa, ou até suspiros de prazer.
Misturados à respiração estão os sons que o bebê está fazendo com seus lábios, seu nariz, sua garganta.
Toda uma linguagem própria.

E nunca, jamais, aqueles gritos de terror, aqueles lamentos de desespero, aqueles guinchos histéricos.
Talvez uma criança tenha que dar um ou dois gritos quando nasce, mas será que eles precisam ser gritos de angústia?

Porque esta criança tem prazer com esta nova experiência, saboreando tudo em sua novidade, ela pode facilmente esquecer o mundo que deixou para trás.
Sem arrependimentos, nem um único olhar para trás.
Chegar à vida é como acordar de um longo e prazeroso sono, e não de um pesadelo."
















"Como é impressionante assistir à criança abrir bem seus olhos, começar a sentir o ambiente em volta, explorar tudo que a cerca.
Tudo sem pânico, sem lágrimas
Ao contrário, com uma seriedade, uma gravidade que é difícil de acreditar.
Sim, a criança é realmente como um sábio, uma alma anciã, porque o que quer que ela faça, é com completa consciência."














(Tradução livre de trechos do capítulo 4 do livro "Nascer Sorrindo", de Fréderic Leboyer)

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