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quarta-feira, 4 de julho de 2012

Crianças, consumismo e carta aberta ao Conar


A Inaê tem 2 anos e 4 meses e nunca viu TV em casa.
Não é que a gente controle pra ela não ter acesso: é que a gente sequer tem TV mesmo, e isso já há tempos, desde muito antes dela nascer! A TV inexiste na nossa vida familiar.


Não significa que ela viva numa “bolha”, muito pelo contrário: trata-se de uma pessoinha totalmente imersa no mundo maravilhoso das historinhas, com acesso a muito conteúdo bacana que tô sempre garimpando por aí (e viva a internet!).


Sendo uma pequena criatura muito falante, com um desenvolvimento da linguagem que não cessa de surpreender, a Inaê passa os dias literalmente encarnando e interagindo com seus personagens preferidos, que vão dos mais clássicos (Pinóquio, 3 Porquinhos, Chapeuzinho, João e Maria, Peter Pan, Mogli etc.), passando pelo Sítio do Picapau Amarelo e as lendas brasileiras (Saci, Cuca, Iara, Curupira etc.), até o adorável Kirikou, aquele bebê mágico africano que vive mil e uma aventuras pra livrar sua aldeia da feiticeira!


Assim, entre suas referências, ao lado de zilhões de historinhas gravadas, lidas, contadas e recontadas, também estão muitos filmes e desenhos. Ela conhece bastante coisa bacana, e adora, e pede pra ver. Porém, só vê (no computador) o que selecionamos pra ela, e só nos momentos em que colocamos, em geral pra ver acompanhada.

Agora, na real, o que mais gosto dela não ver TV nem é pelos benefícios óbvios disso pro desenvolvimento de sua linguagem, nem por ser poupada da montanha de conteúdo medíocre e/ou inapropriado que passa na TV, mas acima de tudo: porque ela não está exposta a comerciais.


É simplesmente assombrosa a quantidade e conteúdo de comerciais direcionados às crianças, vítimas ainda mais indefesas do culto ao consumismo. Conheço pequeninos que dá até dó, nem 3 aninhos e já falando o tempo inteiro que “minha mãe vai comprar” isso e aquilo e mais aquilo outro, porque ele “viu na TV”... muito, muito triste. Qual lacuna será que esta mãe tá tentando (inconscientemente ou não) preencher ao inundar o menino de tanta bugiganga que no fim nem ele dá valor, porque já vai pedir o outro "último lançamento"?


Iniciativas sérias como o Movimento Infância Livre de Consumismo ou entidades como o Instituto Alana vêm agindo incansavelmente pra denunciar a questão gravíssima do estímulo ao consumismo na infância, mas este é um trabalho extremamente árduo, porque tem a ver com mudanças culturais e até pessoais.


Ocorre que, ao lado das ações de conscientização, há outras frentes possíveis de ação pra mudar este quadro no Brasil, como regulamentar, fiscalizar e punir - de verdade, e não de mentirinha. Uma regulamentação externa, porque se trata de uma questão pública, e não a dita "auto-regulamentação" hoje vigente no país, que no fim não controla nada.


Em outros países, a publicidade dirigida a crianças chega a ser proibida, ou então severamente limitada quanto aos horários e quantidade semanal.


No Brasil, porém, não tem nada disso, sendo que a criança brasileira é a que mais assiste TV no mundo: média de 4 horas e 51 minutos por dia, segundo o IBGE.


Estes e outros dados espantosos vêm do documentário “Criança, a Alma do Negócio”, dirigido por Estela Renner e Marco Nisti, que está disponível em vários lugares, por exemplo aqui. Quem quiser se aprofundar mais, pode assistir o documentário. Ele não é longo, mas se não der, faça um esforço ao menos pra ver o trailer do documentário, que já basta pra chocar.


Eu pelo menos fico bem chocada, e, pessoalmente, sou totalmente favorável à proibição legal de publicidade infantil, tipo como fizeram com comercial de cigarro.


O que não dá mais é pra esconder o sol com a peneira com estes argumentos pró auto-regulamentação do tipo "a própria família tem que fazer suas escolhas e controlar o que seus filhos vêem... blá blá blá" que de fato apenas servem aos mesmos interesses capitalistas de sempre.


O mais deprimente é que o capitalismo tomou pra si a bandeira da liberdade, pois, como já sabemos, é com esta aparência de "escolhas livres" que as coisas se sustentam. Quando se trata de crianças, sobretudo na primeira infância, pequenas pessoinhas com sua personalidade em formação, tudo isso não poderia ser mais nefasto.


Embora me preocupe com estes temas há tempos, e pra mim têm tudo a ver com as militâncias que levamos na economia solidária para criar outros paradigmas de produção e consumo, este post tem uma razão mais específica de ser, ainda que um pouquinho atrasado: o Movimento Infância Livre de Consumismo divulgou a carta aberta abaixo, e acaba de participar em audiência pública na Câmara sobre o PL que trata da regulamentação de publicidade infantil (a propósito, a primeira vez em que um coletivo de pais seria ouvido em Comissão que trata do assunto).


Humildemente, junto-me aqui neste singelo bloguinho familiar a este e outros coletivos, na esperança de que um dia as crianças, sobretudo as muito novinhas, possam ser protegidas como a Inaê pra que ter não seja mais importante em suas vidas do que ser... Simplesmente ser.... crianças! Ricas de imaginação, alegria e inocência, e não meros autômatos teleguiados.

Duas recentes medidas do Conar referentes aos abusos da publicidade voltada para as crianças nos deixaram preocupados e ainda mais descrentes da atuação deste órgão com relação à proteção da infância.


A primeira foi a decisão de sustar a campanha da Telessena de Páscoa por anunciar para o público infanto-juvenil um produto que só pode ser vendido para maiores de 16 anos (de acordo com regulamentação da SUSEP). A segunda foi a advertência dada pelo Conar à Ambev, com relação ao ovo de páscoa de cerveja da Skol.


Ambas atitudes do Conar seriam dignas de aplausos – se tivessem sido tomadas quando as campanhas publicitárias estavam no ar, na Páscoa, em março. Mas o Conar só agiu em junho, quando as campanhas já não eram mais veiculadas.


Com isso, não houve nenhum impedimento para que a mensagem indevida da Telessena atingisse impunemente milhões de brasileirinhos e que a Ambev promovesse bebida alcoólica através de um produto de forte apelo às crianças. A advertência à Skol é ainda mais ineficaz, pois não impede que no próximo ano, produto semelhante seja oferecido.


O Movimento Infância Livre de Consumismo vê nessas decisões a comprovação de que o atual sistema de autorregulamentação praticado pelo mercado publicitário brasileiro é lento, omisso e ineficiente. Fato ainda mais grave quando se trata da defesa do público infantil.


Por isso, exigimos que a publicidade infantil sofra um controle externo como todas as atividades empresariais. Reiteramos nossa postura de que, sem leis e punição, jamais teremos uma publicidade infantil mais ética.


Nós, mães e pais, exigimos respeito à infância dos nossos filhos e solicitamos que estas duas atuações não constem dos autos do Conar como casos de sucesso. Contabilizar pareceres dados depois que as campanhas saíram do ar, como exemplo da firme atuação do Conar, é propaganda enganosa. E isso contraria o tal Código de Autorregulamentação que os publicitários insistem em tentar nos convencer que funciona.


***
[Este texto faz parte de uma blogagem coletiva proposta pelo Movimento Infância Livre de Consumismo juntamente com blogs parceiros. Este movimento é composto por pais e mães que desejam uma regulamentação séria e eficiente da publicidade voltada para crianças. Para saber mais acesse: www.infancialivredeconsumismo.com.br]

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